FUGA DO ARMÁRIO
AUTOR: GERALDO NUNES
Entrei em um bar e pedi uma cerveja. O álcool relaxa e me
encoraja.
Já pensei demais sobre meu caso. Quero a separação. Joana saberá por mim que ela não tem culpa
pelo fim do casamento. Duram meses o intervalo entre nossas relações sexuais.
Bem que tentei fazer Joana ficar com raiva de mim e sem motivo aparente
mostrava cara feia e ela perguntava a causa; eu dava uma resposta que copiei de
um doido que perguntado pela esposa o porquê do amuo: “você sabe muito bem”. Só
consigo me desapegar de pessoas quando fico com raiva delas. Vejo mulheres que
até apanham do parceiro e não sentem raiva; essas estão em situação grave. A
raiva é libertadora. Não notava Joana irada com a frase, mas apenas
transtornada. O cabelo, antes tão bem
tratado e penteado, agora mal cuidado, sinal de uma depressão já instalada.
Por ser apenas ativo, sempre relutei aceitar minha condição homossexual.
Mais maduro vejo que minha atração sexual por homens é irresistível e para
evitar sofrimento meu e dela vou assumir minha homossexualidade e lhe pedirei
segredo. Coitada, recebeu uma nota falsa. Não vou sair do armário porque não
tenho condições emocionais para aguentar críticas públicas.
Joana era uma moça bonita e de boas maneiras. Por eu ter nojo
exagerado de odores ginecológicos a escolhi para casar pelo seu exemplar
asseio. A minha repulsa a esses olores credito a um fato passado: minha avó materna
foi visitar uma comadre doente e eu, aos oito anos de idade, acompanhei-a. A mulher
estava com um mau cheiro que tive vontade de vomitar; minha vó em surdina pediu
à filha que desse um banho urgente na comadre. Essa avó, sempre, para implicar, chamava as namoradas de
meu tio caçula de “rapariga do tabaco fedorento”. Nunca pratiquei cunilingus. Joana certa vez me reclamou que era de mau gosto eu
repetir, mesmo sendo em momento oportuno, uma frase de efeito dita por um
médico recém-formado ao receber um conselho, visto as boas expectativas
financeiras, para seguir a carreira de ginecologista: “o difícil é aguentar a
catinga”.
Dois homens sentados na mesa ao lado iniciaram um diálogo.
Um diz:
- Meu sobrinho Augusto tem bunda parecida com a de mulher e
ainda se veste para destaca-la; fala como um veado e imita trejeitos femininos naturalmente;
terei com ele uma conversa séria. Zé Maranhão veio com gozação me afirmando que
não gosta de qualira, porém uma bunda assim, ele não dispensaria.
O outro fala:
-Embora seja perseguido por tarados, ter bunda de mulher não
indica que seja gay; as mulheres também sentem atração por bundas e Augusto
pode está se insinuando para elas. E a imitação feminina vamos relevar, ele foi
criado pela mãe e avó sem uma presença masculina como modelo. Você ajudou financeiramente,
mas, nem de longe fez o papel de pai; apenas visitas e rápidas conversas. O mais importante: foi, sempre, bem cuidado e
ao que parece nunca foi abusado sexualmente.
Com meus dois filhos, um tem dez anos e o outro doze, tenho grande
atenção para não serem molestados. Para mim não existe homens insuspeitos.
Nesse ponto, os tempos atuais estão preocupantes. Para despertar o interesse
por mulheres, ando com eles elogiando a formosura de garotas: “sonho com uma
nora dessas, teria netos lindos”. Já tenho resultados positivos: o mais novo ouviu
comentários da mãe sobre a beleza prodigiosa da pele de coreanas que trabalham
em um shopping onde frequentamos. Um
dia, depois de uma caminhada nesse shopping, ele me exclama admirado: “pai! As
coreanas não têm rugas não! Arrependi-me por não ter pedido para eu dar um
cheiro na bochecha daquela que lhe vendeu os óculos”.
O tio do gay sorriu e retornou ao assunto de viadagem:
- Acredito no ditado popular: “até os que não parecem, às
vezes são”. Vou admoesta-lo para a vida
de homossexual na cultura brasileira: sofrerá violência e infames perseguições
e se tiver tendência a doenças mentais vai desenvolvê-las; emprego fica difícil
e talvez a única saída para ganhar dinheiro seja a prostituição, por
conseguinte seguir a bandidagem. Recordei-me de um vizinho que no processo de
divórcio a mulher queria ficar com a casa e ele, certa vez, muito bêbado,
gritava que não cederia porque tinha até dado o cu para construir a moradia. Prostitui-se
com gerente do hotel onde trabalhou.
Mudaram de assunto, porém o meu interesse por Augusto
instalou-se imediatamente.
A dupla chamou o garçom pedindo a conta. Eu também paguei e
os segui. Entraram em uma loja de utilidades domésticas há pouco tempo
inaugurada e assumiram o balcão de vendas. Achei melhor voltar à loja próximo
ao fechamento.
Entrei na loja, me apresentei como dono de imobiliária e que
olharia o estoque. Pedi ajuda do tio de Augusto de nome Pedro. Conversa flui.
Consegui o local onde ele mora e ainda me disse que estava sem o automóvel e
que iria de ônibus para casa da mãe dele. Não perdi tempo: ofereci-lhe carona
dizendo que iria para aquelas bandas.
Quando chegamos Augusto ia saindo da casa. Falou com um tio e
me disse “um tudo bem”? Fiquei deveras tocado por sua beleza. O tio informa que
Augusto está a procura de emprego. A paixão se instalou imediatamente. Tive uma
ereção involuntária. Amanhã volto para
tentar uma conversa com Augusto.
Resolvi que não vou me separar imediatamente. O dinheiro que
estou guardando para o fim do casamento irei investir na conquista de Augusto.
Em companhia de Augusto serei também passivo. Farei felação.
Quero soltar a franga! Nosso romance será como o de Antínoo com o imperador Adriano. No início do
casamento, minha mulher, durante as cópulas, repetia a frase “sou toda tua”! Eu fingia entusiasmo. Tempos depois ela me
disse que copiou a citação de Virgília, amante de Brás Cubas. Para Augusto direi
a paráfrase “sou todo teu”! Em êxtase, pedirei para ele repetir.
Porém,
serei moderado com felação, receio em ficar com a deformidade conhecida
popularmente de “boca de chupar rola”.
Cheguei a minha casa e aproveitando a libido alta com o pensamento em Augusto fiz sexo com Joana. Depois da ejaculação, mesmo tendo pena dela, sinto asco.
Cheguei a minha casa e aproveitando a libido alta com o pensamento em Augusto fiz sexo com Joana. Depois da ejaculação, mesmo tendo pena dela, sinto asco.
Recordo-me do meu primeiro amante homossexual. Éramos adolescentes. Ele, um frágil veadinho efeminado
loucamente apaixonado por mim. Eu penetrava-o com força tão brutal que ele
chorava de dor e após minha ejaculação em um misto de revolta e vergonha,
devido à situação, dava-lhe uns tabefes. Anos depois comecei a fantasiar
sessões de sexo em que lhe tratava com carinho e palavras doces. Tinha ereções
fenomenais e me masturbava num alto nível de luxúria nunca alcançado por mim.
Procurei-o, e soube que ele tinha morrido com AIDS. O sonho dele era fundar uma
escola para bichas inspirada nas gueixas.
Olho meu filho de dois anos dormindo. Gosto dele, mas, se meu
caso com Augusto progredir, serei pragmático, abandono-o. A minha ligação com
ele será apenas a pensão alimentícia. Tenho certeza que o convívio assíduo com
ele será futuramente de desentendimentos. Vejo exemplos de mães que criam os
filhos sozinhas e praticamente se anulam como mulheres, e, no entanto, são
consideradas megeras pelos rebentos. Esses filhos têm pelos pais calhordas e
totalmente ausentes, que os largaram covardemente, injustificado amor e
respeito. Minha mãe conta uma história com muita graça: Um vizinho, dono de
mercearia, abandonou a família fugindo com outra mulher. Deixou a esposa com
quatro filhos, o mais novo com três anos, e muitas dívidas. O patife roubou até
os cofrinhos de moedas dos filhos. Certo dia, quinze anos depois, o caçula saiu
gritando na rua com uma alegria incontida: “viram pai! Viram pai! Zé vai
busca-lo”. Tinham-no encontrado falido e doente e iam trazê-lo para casa.
Passei duas horas esperando às escondidas que Augusto saísse
da casa. Dei-lhe um cartão e pedi que ele levasse seu currículo hoje à tarde
que eu poderia atendê-lo.
Recebi Augusto com um aperto de mão. Senti uma forte ereção e
sentei-me rápido para ele não perceber. Tenho que controlar meus impulsos. Sigo
o exemplo dos predadores: se no primeiro ataque a presa escapa, é provável que
a caçada esteja perdida. Tenho que ter tranquilidade para uma emboscada perfeita.
Não quero me comportar como um stalker. Já experimentei o stalking em outro
assédio sexual, que trouxe como resultado, além do fiasco, situações
vexaminosas.
Ele começa trabalhar amanhã. Telefono ao Zezé, um homossexual
efeminado, já utilizado por mim em casos semelhantes. Por isso o apelidei de
“doutrinador”.
No segundo dia de trabalho de Augusto, convidei-o para
almoçar.
Tal o combinado, o “doutrinador”, durante o almoço, pede
licença e diz se pode falar comigo. Concordo.
Senta-se e me pergunta em tom indignado a causa de eu ter negado o
imóvel que ele queria alugar. Explico-lhe que o dono do imóvel exige fiador, o
que não foi apresentado na proposta. Ele enfia a mão no bolso, retira um pacote
de dinheiro em notas graúdas, joga na mesa e diz:
- fale com esse corno que o importante é ter o dinheiro e que
posso pagar até um ano adiantado por essa cafua.
Olho ao meu celular e digo que aconteceu uma urgência em
minha casa, que Augusto termine de comer e volte depois ao escritório, que eu
entro em contato depois.
À noite, encontro-me com o “doutrinador”. Ele conta que tentou
de tudo:
- Convidei-o a um motel dizendo que ele morreria de prazer;
disse que se eu tivesse uma bunda como a dele seria rico; por fim lhe ofereci
dinheiro para um programa. Quando vi que ele estava com raiva, pedi-lhe
desculpas e caí fora. Fique esperto, se com minha simpatia e expertise foi tudo
inútil, acho que você não vai conseguir nada. Desconfio que ele não tenha
vocação homossexual, tem apenas um jeitinho de fresco.
Vou reler novamente As Ligações Perigosas e também rever o
filme. Chordelos de Laclos é uma fonte de inspiração adequada para essas
ocasiões.
Passam-se dias e não há avanço na conquista. Ele foge do meu
olhar tarado. Procuro me esfregar nele; ele evita qualquer contato físico. Não
percebo correspondência nas minhas investidas. Masturbo-me, pensando nele, até
três vezes durante o expediente de trabalho. Sinto que ainda não é hora para
uma cantada direta; na certa levaria um fora. Porém não suporto esperar por
muito tempo. Tenho medo de uma ação intempestiva da minha parte, pondo tudo a
perder.
Chamo Augusto à minha sala ao final de expediente. Pede
desculpas por está apenas de um pequeno calção de futebol e camiseta regata,
pois meu chamado não era esperado e ele ia para sua casa a pé. A sala tem
tratamento acústico e não escapa barulho. A luxúria me invadiu e eu não pude reprimi-la. Disse que estava louco por ele e
comecei lhe agarrar. Ele tentou se desenvencilhar e quando se sentiu impotente
iniciou a gritar por socorro. Desci seu calção e cueca, imobilizando-o tentei
penetrá-lo, porém ejaculei antes. Soltei-o. Ele subiu o calção, pegou a mochila
desceu a escada chorando. Uma pessoa perguntou a causa do choro e ele
respondeu:
- O filho da puta me esporrou todo! Vou à delegacia, terão que
prender esse tarado!
Pressenti o perigo. Tenho que fugir do flagrante. Ao descer
um pequeno grupo tinha se formado e ouvi ofensas, porém não interviram para
evitar a fuga.
Corri ao carro e falei baixinho o ditado:
-“Quem espera tempo ruim é lajedo”!