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quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

PÊNIS GRANDE OU PEQUENO? ::

Em uma matéria do Uol no dia 20/12/2023 um articulista compara o pênis pequeno com o grande. Fiquei espantado com a goleada de vantagens que o pequeno impôs ao grande. Se um homem faz sucesso com mulheres por ser bem dotado levar a sério uma baboseira dessa, ele adquire imediatamente a Síndrome do Impostor. O texto me fez lembrar de uma metáfora da ainda sexóloga Marta Suplicy que me fazia sentir a chamada vergonha alheia: "Não importa o tamanho da varinha, o essencial é a mágica que ela faz". Para rebater essas bobagens cito um ditado popular que admiro: "panela boa é a grande que cabe o pouco e o muito". Engraçadinha essa Marta, não tem preconceito com pênis pequeno mas só procura homem grande. Seu atual marido, um tal de Toledo, por fotos que vi deve ter  quase dois metros de altura. Ela acha assertivo outro provérbio: "só dá coice quem tem pé".

sábado, 4 de março de 2023

A VIDA PERIGOSA DE MALANDRO DE JOGO (UM CONTO DE MINHA AUTORIA)

Antônio não era um jogador compulsivo.  Porém, era assíduo em casas de jogos de azar.  Fascinava-o aquele ambiente de sutis disputas.  A sua família estava  preocupada devido ao índice alto de homicídios que ocorrem no ambiente.  Antônio é aventureiro e um jogador de talento.

Na Sinuca era considerado um taco acima da média, pois conseguia frequentemente fechar partidas começando pela bola três. Nunca ficava amedrontado, sugestionado ou ansioso ao ter pela frente uma tacada decisiva. Muitos jogadores de sinuca perdem a eficiência ao não controlarem a aflição erram jogadas fáceis e são chamados de "gelados" na gíria entre os jogadores.

Jogando  dominó era imbatível, bastava duas ou três partidas para ele reconhecer algumas pedras pelas costas. Se as pedras reconhecidas eram boas as pegava, se eram carroças deixava para outro parceiro. Também usava o golpe de colher uma pedra a mais e rapidamente retirar uma menos importante, como se não tivesse visto o jogo.

No baralho descartava como um profissional, raramente passava batido tanto no pif-paf como no pontinho. Sabia aplicar pequenos golpes como o mergulho e virar, quando estava no corte, para coringa uma carta do seu jogo. Era também sempre atento e não se deixava roubar facilmente. Já assisti ele desmascarar um parceiro que estava roubando usando a famosa peituda, que é uma camisa com um bolso camuflado no centro do peito e com um dispositivo de elástico que facilita descer ou subir cartas de baralho. Quando jogava contra apenas um adversário procurava formar jogos que encaixasse o maior número de cartas possíveis. Entendia que no jogo de testa (tête à tête  o fator sorte é menos importante que num jogo de muitos parceiros e como tinha boa técnica gostava desses desafios. Ele sempre dizia que a sorte é para todo mundo, mas as leis das probabilidades beneficiam mais aqueles que sabem equacioná-las. No Brasil o mais popular dos jogos de cartas de baralho com apostas é o pif-paf.  A norma é jogar com dois baralhos em um total de cento e quatro cartas não importando o número parceiros. No chamado pif-mole, modalidade em que o jogador disputa a partida apenas se quiser, o limite máximo é de nove participantes. No pif-duro, também chamado de batidinha, em que é obrigatória a disputa; o ideal é no máximo seis parceiros.

Embora eu tenha iniciado primeiro, sendo seu professor, foi Antônio quem observou primeiro que jogando com dois baralho o maior bate em partida de pif é quando se tem uma quadra e uma quina em sequência. Por exemplo: uma quadra, sem dobrar, de reis e uma quina de damas em que tenha todos os naipes. Com esse jogo estaremos completando as três trincas, que é o jogo batido do pif, por dezenove cartas: oito valetes, oito ases e três Damas. Na segunda maior batida do pif, completamos as três trincas por quatorze cartas é quando temos, por exemplo, uma trinca de sete, uma trinca de quatro, um par de seis encostado um cinco e que coincida formar uma seguida de quatro a sete de um mesmo naipe e também ligue o outro seis a outro sete. Com o famoso “four no par” se bate por doze cartas.

Outra dica de Antônio era em relação a três cartas que são consideradas menores no pif-paf, o ás, o dois e o rei.  Essas cartas  formam apenas três combinações de trincas, enquanto as outras cartas formam quatro. Assim sendo, essas três cartas são as mais refugadas e por isso, numa mesa com mais de três parceiros e, conforme o andamento do jogo,  existe maior possibilidade de bater quando se espera uma delas. Se o jogo for coringado, as menores cartas para um bate de coringa solto com dois baralhos são o dois e o rei, em que se completa a partida por vinte e quatro cartas, enquanto  as outras, a batida é por vinte e oito.

No pif-paf e nos seus derivados (pontinho, caicheta, caichetão), há razoáveis dificuldades para se trapacear sem ser desmascarado. Ao  meio de jogadores experientes, a maneira mais utilizada de roubar é jogar com cartas a mais do que manda a regra e escondê-las para mostrar o jogo batido, porém é fácil desmascarar o ladrão, basta contar as cartas da mesa e sabe-se se está faltando. O golpe de parceiros combinados onde um jogador pede cartas por código descobre-se olhando o jogo daquele que mandou a carta e certificar se ele não diminuiu seu jogo, isto é, se não desmanchou par ou trincas, ficando com cartas bêbadas.

Outro golpe consiste em dois jogadores combinados que se sentam de maneira que quando um der as cartas o outro corte, fornecendo jogos prontos a um deles. Para se prevenir dessa malandragem, é necessário algum parceiro pedir para traçar o baralho antes dos golpistas.

Uma importante artimanha é o chamado “baralho guiado.” Aplicado, especialmente, em jogos de testa. Em partidas de muitos jogadores perde eficiência. O golpista finge que traça o baralho e deixa sequências para que quando ele puxar uma carta marcada saberá quais são as próximas cartas a serem pedidas. Também saberá das cartas que estão entre as últimas do monte para evitar combinações de jogos que exigem essas cartas. Esse último é o golpe preferido dos jogadores profissionais porque nessa modalidade de ardil não se pode descobri-los. Modo de evitar a armação é exigir o traçado do baralho corretamente.

No meio de jogadores iniciantes ou daqueles que mesmo jogando há tempos e nunca aprendem, é fácil roubar, no entanto nesses ambientes corre pouco dinheiro. Os jogadores profissionais de jogos de baralho preferem parceiros iniciados que acreditam saber de tudo e topam apostas altas.

Um bom profissional dos jogos de baralho não costuma roubar de modos que possa ser flagrado e necessariamente não pode ser compulsivo. Ele segue disciplinadamente certos mandamentos em disputa com jogadores que se acham no mesmo nível: jogar sempre descansado fisicamente; irritar adversários visando desconcentrá-los; não ter compaixão de parceiros; quando perder dinheiro que seja pouco; e quando estiver ganhando insistir mais e mais. 

Em jogos em que se vai eliminando parceiros, como a caixeta, quando sobra dois parceiros, há o costume de salvar a cota do perdedor; porem um jogador profissional nunca faz esse acordo. Quem ganhar leva tudo. Como se diz na gíria da jogatina: "É pros cocos"!

Certa vez, quando estive em Goiânia, conheci esse jogador que ganhou o automóvel de Antônio. Acho que devido ao caso ter repercutido intensamente em mim, a lembrança é como o acontecido fosse ontem e não há mais de vinte anos. Quando chegamos à cafua, ele estava fazendo a maior algazarra dizendo que não ia jogar porque a mesa só tinha falidos. Mostrava  e atirava na mesa um pacote de dinheiro em notas graúdas dosando a força para que víssemos a boa quantia e o embrulho não se desfizesse. Jogadores profissionais, propositalmente, para incutir cobiça, gostam de exibir grande quantidade de dinheiro. Um incauto não imagina que nunca ganhará valor razoável do malandro.

Quando viu Antônio, o malandro  disse:

– Agora temos um bom parceiro, pena que seja medroso e não goste de ganhar dinheiro.

Antônio respondeu grosseiramente:

– Você perde dinheiro porra nenhuma! Naquele dia estava perdendo uma mixaria e logo parou, justificando a fuga com uma desculpa esfarrapada. Você é malandro demais para o meu gosto.

Ele respondeu em tom conciliador e como tinha três vagas na mesa sentamos e jogamos umas duas horas.

Após saída da casa de jogos,  Antônio disse que achava muito antipático o tal mulato apelidado de Negão do Táxi e que ele era dono de uma frota de carros de praça conseguida com recursos ganhos em jogos de azar. Antônio não o considerava um malandro completo. Entendia que a mania de humilhar parceiros de quem ganhava, ainda o colocaria em maus lençóis.

Mas, como se viu depois, o Negão pegou Antônio no jeito. Foi num domingo. Antônio vinha de duas noites na farra e resolveu esperar o amanhecer jogando baralho. O Negão chegou umas nove horas e estava com uma noite bem dormida. Como Antônio estava perdendo e os parceiros foram indo embora, aceitou o convite do Negão visando recuperar o prejuízo. O jogo terminou na madrugada de segunda. O fato de Antônio estar mais cansado foi decisivo e ele concordou dizendo que nas partidas finais veio uma impaciência perturbadora em que parecia que as cartas que precisava demoravam demais para caírem e não cuidava para que Negão não guiasse o baralho.

As palavras de Antônio foram proféticas em relação ao futuro do Negão do Táxi,  poucos meses após ganhar o automóvel de Antônio, foi assassinado. Foi morto em Brasília. Segundo um amigo informado por uma testemunha visual, o Negão ganhou um elevado valor do seu matador e ao final houve uma confusão em que o Negão deu uns safanões no perdedor. Um mês depois, achando que o fato tinha perdido a importância, o Negão voltou à cafua. Era norma do dono da casa não aceitar gente armada na mesa de jogos. Exigia que todos os jogadores entregassem seus revólveres para serem guardados e devolvidos apenas quando saíssem. Porém, o homicida, sem ninguém desconfiar, foi com duas armas de fogo e entregou apenas uma. Quando o Negão sentou-se, sem nenhuma chance de defesa, foi logo recebendo tiros a queima roupa. Dentre os presentes havia até policiais, mas a providência tomada foi desovar o corpo em um lugar afastado. Segundo ainda essa testemunha, a polícia encerrou o caso como crime de autoria desconhecida.

Quando Antônio me telefonou contando que iria para os Estados Unidos, tentei persuadi-lo a não viajar. Ponderei apelando para o seu patriotismo, também lembrei o clima frio da América e a falta de amigos. Com bom humor lhe falei que poderia fazer como fez um amigo libanês que após falir vários comércios montados por parentes devido ao vício do baralho, resolveu transformar-se em malandro de jogo e conseguiu um relativo sucesso.

Antônio tinha superior simpatia por esse árabe apelidado de Gringo. Quando o Gringo surgia, Antônio gracejava imitando o sotaque árabe: “Agora sim, fiquei satisfeito! chegou o dono do bedróleo”.

Agora no início do século XXI quando vejo imagens do Líbano de crianças refugiadas jogando baralhos com cacoetes de hábeis jogadores iniciados, lembro-me do Gringo. Ele tinha uma maneira elegante e única de pegar nas cartas que é próprio de quem aprende em menino. Faço a mesma comparação com a sinuca em que os iniciantes acima de trinta anos têm notáveis dificuldades em aprender a manejar o taco corretamente.

Certa vez encontrei uma velha revista “Manchete” dos anos sessenta. Trazia uma reportagem sobre a então a financeiramente e turisticamente pujante e bela Beirute e presenteei ao Gringo. Disse-lhe que era a cidade no mundo que eu tinha mais vontade de conhecer e que fiquei indignado com sua destruição. Para minha surpresa, ele mostrou-se bem informado sobre da política internacional, particularmente do Oriente Médio. Eu achei muito convincente a teoria do Gringo: o principal motivo para os terríveis ataques a Beirute foi a inveja tanto dos judeus e aliados quanto de alguns países árabes. Assim como Antônio, no mesmo ano o Gringo foi para os Estados Unidos. Nunca mais tive notícias dele.

 

  

segunda-feira, 6 de junho de 2022

ÁRVORES EMBLEMÁTICAS DE BRASÍLIA 54 - Reservas de Cerrado no Setor Noroeste

 Os erros cometidos por urbanistas em não deixar quase nada da flora nativa do cerrado nas Asa Norte e Asa Sul não foram repetidos no Setor Noroeste. (Veja link Flores, frutos e aves de Brasília e do Cerrado: ÁRVORES NATIVAS SOBREVIVENTES NOS CANTEIROS DO EIXO RODOVIÁRIO) (geraldonunes1.blogspot.com)As reservas naturais do Setor Noroeste me encantaram. Abaixo links de  algumas imagens do Google Maps. Quando tiver oportunidade vou fazer fotos e expandirei esta postagem.

Via W7 - Google Maps 

Via W7 - Google Maps

Via W7 - Google Maps

Via W7 - Google Maps

segunda-feira, 9 de maio de 2022

Maravilhosos columbídeos (pombas e rolinhas)

 

Essa família tem peculiaridades fenomenais: a asa-branca tem um dos mais formosos voos dentre as aves;  arribaçã produz belos espetáculos com gigantescos bandos em voos rápidos e extensos. Eu já vi uma tentativa frustrada de um gavião em capturar uma arribaçã em voo, ela foi mais veloz. Esse mesmo gavião tem experiência em pegar rolinha e pombo doméstico usando essa tática. A rolinha-fogo-pagou canta uma perfeita onomatopeia que lhe concede o nome e voando emite com o bater das asas, o som do chocalho da cobra cascavel que lhe dá o outro nome; a rolinha-branca tem o canto mais bonito da família em que a suavidade primorosa faz bem aos ouvidos; a juriti além do seu bucólico e belo gemido também emite com as asas um metálico som de um guiso quando alça voo. Admiro ainda o voo da juriti, tão silencioso dentro da mata e, se houvesse um concurso para premiar a ave que alcançasse maior velocidade em cinco segundos, sem nenhuma dúvida ela seria a campeã. A carne da juriti não possui o leve ranço que têm as pombas e a arribaçã; por isso a carne da juriti é a mais apreciada dos columbídeos. A rolinha-azul tem um dimorfismo sexual em que o macho é cinza-azulado e a fêmea é avermelhada, formando um casal de belezas iguais, diferentemente de dimorfismo sexual apresentado na maioria das outras aves em que a fêmea quase sempre tem plumagem apagada.

Conheço na Caatinga seis espécies de rolinhas: a branca, a fogo-pagou, a azul, a caldo-de-feijão, a cafofa e a cinzenta. Com Exceção da azul, as outras são comuns, embora a fogo-pagou já tenha desaparecido em muitas áreas dessa região. Constatei isso num périplo que fiz no ano de 2001 na caatinga dos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. A caldo-de-feijão e a cafofa ainda são abundantes, acho que devido serem mais terrícolas e se adaptaram bem às pastagens, que são bons lugares para esconderem-se e fugir do seu maior predador que é o homem. Outro fator importante é que a rolinha-caldo-de-feijão consegue ficar afastadas de habitações humanas, enquanto as rolinhas fogo-pagou e branca gostam de terrenos limpos e ficam rodeando as habitações humanas. A fogo-pagou e a branca não frequentam como a cafofa e a caldo-de-feijão pastos com capim alto e denso. A caça contribuiu para o desaparecimento da  fogo-pagou em muitas áreas da Caatinga, soma-se também ao mau costume de crianças sem nenhuma experiência, que com a ajuda irresponsável de adultos, capturam-nas ainda no ninho para criá-la em cativeiro. A maioria morre empapada, mal acarretado pela alimentação imprópria. Eu avistei apenas a rolinha-azul fêmea camuflada junto a bandos de caldo-de-feijão, mas, com um olhar mais detalhado a sua cor se evidencia; imagino que o macho é mais arisco porque sempre foi muito perseguido pelos humanos.

Aqui no DF não ocorrem a rolinha-branca e a cafofa, acho que devido à altitude, porém tem uma endêmica e rara: a rolinha-do-planalto. Tenho acompanhado um espécime macho de rolinha-do-planalto que apareceu no campus da UNB, precisamente no Centro Olímpico. Assim como a famosa ararinha azul, com apenas um espécime na natureza,  na falta de par da mesma espécie acasalou com uma maracanã, a rolinha-do-planalto corteja uma rolinha caldo de feijão. 

Também no DF não ocorre rolinha-azul, porém temos outro columbídeo azul chamado de pomba-de-espelho. Eu mesmo já matei algumas na Ponte Alta. O habitat dela no DF são as matas estreitas de pequenos córregos onde nasce taboca. A semente da taboca é importante no seu cardápio. Como a espécie é camuflada e arredia, não a tenho avistado, mas é quase certo que ainda exista aqui. 


fotos Geraldo Nunes



asa-branca




asa-branca


                                                             rolinha-fogo-pagou
                                                               rolinha-fogo-pagou
                                                             rolinha-fogo-pagou

segunda-feira, 3 de maio de 2021

AVES EMBLEMÁTICAS DE BRASÍLIA - TUIM (Forpus xanthopterygius)

O tuim é o menor dos nossos psitacídeos.  Na região Nordeste é chamado de papacu. Foi muito comum no Plano Piloto até o início da década passada. Também era comum o tuim nidificar em casas abandonadas de joão-de-barro nas zonas urbanas. Desconfio que a falta dessas casas contribui para o rareamento do Tuim no Plano Piloto.

Acho um mistério o joão-de-barro, que tem uma grande população no Plano Piloto, não está construindo casas. Vou investigar.

abaixo link de vídeo de minha autoria.

https://www.youtube.com/watch?v=swojzGt4uhQ

                                     Imagem de um Tuim acompanhado de um canário-da-terra


segunda-feira, 16 de março de 2020

Flor do Cerrado- mais um conto inédito de minha autoria


Flor do Cerrado

 
O sol nasceu no início da minha caminhada pelos canteiros do Eixo Rodoviário Norte. O céu sem nuvens me deixa animado. A boa claridade indica lindas fotografias. Avistei o conjunto de pés de sapucaias frontal à SQN 110. As belas flores e principalmente o marrom brilhoso das folhas novas mostram as sapucaias no auge de sua beleza.
Ao me posicionar para fotografar uma sapucaia, notei um casal fazendo o mesmo em outra sapucaia. A beleza da mulher me sensibilizou e me aproximei. Meu esporte predileto é olhar mulher bonita.  O rosto do homem me pareceu conhecido. Em alguns segundos reconheci-o. É Urias. Fez mais de trinta anos a última vez que o vi. Fomos colegas de escola por três anos seguidos.  Mudou de Brasília para São Paulo aos dezessete anos e perdi o contato. Fazia muito sucesso com as garotas. Hoje, na meia idade, parece  um galã de Hollywood. O pai era um pastor evangélico em ascensão e tenho notícias que pertence à alta hierarquia de um poderoso grupo religioso. Sei também que Urias migrou para os Estados Unidos ainda muito jovem.
Tenho antipatia por evangelizadores protestantes. Sempre me abordam com as irritantes frases: “qual sua religião”? “você acredita em Jesus Cristo como o Salvador filho de Deus”? Eu respondo para chocar e cortar a conversa que sou umbandista e meus santos favoritos é o Zé Pilintra e o Exu Ventania. Urias era diferente, eu admirava seu carisma, empatia e palavras bem colocadas ao investir para conquistar adeptos à sua igreja.
A intolerância dos evangélicos com os umbandistas e com os santos católicos é compreensível porque são seus concorrentes no seu principal atrativo: as práticas de curas milagrosas. E, afora os santos, nessa pauta, ao menos aqui em Brasília, os umbandistas são pioneiros. Meu pai conta que nos primeiros anos da nova capital as igrejas evangélicas eram raras e os terreiros de umbanda numerosos e se ouvia por toda parte o melodioso rufar dos tambores aos finais de semana.
Aproximo-me do casal e tentando não ser caricatural, imito solenemente Urias evangelizando:
- O senhor me desculpe, mas não poderia deixar de falar-lhes, enxergo, junto ao seu corpo, uma poderosa aura. Essa energia divina compete com o brilho e beleza das sapucaias. Harmoniosa representação da paz e com certeza tem capacidade de curas. Nossa igreja será privilegiada e os cultos engradecidos com sua presença.
sapucaia
Urias e a mulher me olham com ar de surpresa.
 Imediatamente procurei um cartão avulso na minha carteira, lhe entreguei e disse:
-Meu nome é Urias e no cartão se lê os horários dos cultos e o endereço da nossa igreja.
Tirei o boné para ver se ele me reconhece.
Urias fala:
-Vagner Marinho, sempre zombador!
Respondo:
- Engano seu, você é meu ídolo. Desculpe-me se não lhe agradei com meu desempenho de  canastrão. Digo-lhe mais: a única igreja de “crente” que frequentei foi a sua.
Urias replica:
- Sua fé não existia. A razão de sua presença na igreja era a paquera de garotas.
Digo:
-Também só tinha moças bonitas! Uma pena que a sua família mudou, meu sonho de namorador era esperar sua irmã, na época com doze anos, completar quinze.
Urias fala:
-Após mais de trinta anos sempre me lembro de você.  Espero que enfim reconheça que fui o mais eficiente conquistador do Colégio Leonardo da Vinci.
Falo:
-admito que você fosse o mais enxerido.
Sorrimos e ele me apresentou a sua acompanhante:
 -Esta é a Fernanda. Também chamada de Flor do Cerrado.
Fernanda:
-Ele continua, ainda mais, oferecido às mulheres. E minha aura tem algum destaque?
Eu:
- três belas cores formam sua aréola: a amarela do ipê, roxa do cega-machado e azul do jacarandá-mimoso. Olhe as flores daqueles espécimes e confira sua aura. O amarelo representa espírito de aventura, o roxo, sublime sensualidade e o azul, amor à liberdade.
ipê-amarelo
       
cega-machado

jacarandá-mimoso
                                   
Fernanda:
- Soou piegas. Porém, gostei do colorido. Vamos fotografar as belas floradas com as cores da minha aura.
Fernanda se afasta procurando posições para melhor fotografar.
Urias:
- Essa grande mangueira é aquela de copa fechada e fácil de subir onde a gente fumava maconha?  E você ainda fuma erva?
Eu sorrindo:
-Sim, é aquela que nos servia de fumódromo. Parei de fumar maconha. Foi peraltice da adolescência.
Urias irônico:
- Acredito. Agora conheço duas pessoas que fumaram a erva e deixaram: você e Gilberto Gil.               
Eu:
-Porém, se você quiser, eu consigo maconha de boa qualidade. Tenho comigo dois baseados. Vamos ao cerrado da Q. 613. Tenho que fotografar umas flores e o local é discreto. Dá para ir a pé. Mas, acho melhor irmos em meu carro.
Urias se aproximou de Fernanda:
- meu bem! Achei a maconha.
Seguimos à CLN 413 e estacionei junto ao portão de entrada do Parque Olhos D’água, atravessamos a L2 Norte, chegamos ao lugar; um pedaço de cerrado queimado há um mês.. Peço que me aguardem na margem da avenida. Farei uma ronda no local como medida de segurança. Nas moitas de coco-babão, podemos encontrar acampamento de sem tetos. Hoje a barra está limpa. Aceno para que venham a mim. Quem não conhece o Cerrado, não acreditaria que, nesse exíguo tempo pós-incêndio, surgiria tantos brotos e flores.   O Cerrado é como fênix.














Urias fala:
-Em San Francisco eu fumo e compro maconha sossegadamente. O Brasil adora ficar a reboque em questões de progresso. Vale lembrar que foi o ultimo país das Américas a acabar com a escravidão. Também podemos relacionar as políticas públicas erradas nos primórdios da informática e agora a mesma ignorância com a maconha. Enquanto países progressistas liberam o consumo recreativo e medicamentoso, bem como investem em pesquisas, no Brasil reina o atraso representado pela política de repressão. Não tenho dúvidas, a liberação da droga seria a redenção econômica da região Nordeste; lá tem potencial de produzir maconha de excelente qualidade com pouco investimento. Até hoje sinto saudades da variedade rabo-de-raposa, produzida na região de Cabrobó em Pernambuco que chegava a Brasília na década de 1990.  
Eu:
- Li uma entrevista com um agricultor de Salgueiro, preso pelo crime de plantar maconha para vender. Ele disse que há três anos plantou feijão-de-corda. Foi uma grande safra em que não colheu nem a metade; a colheita não compensava devido aos preços baixos - dava de graça para colherem e ninguém queria. Já com a maconha foi diferente: o traficante forneceu sementes e financiou todas as etapas da produção e a comprava. Contemporizando os preços: o saco de 60 kg de feijão-de- corda valia R$ 20,00 e 1 kg de maconha ele entregava a R$ 100,00. Ele ainda disse que depois de solto iria para São Paulo, porém, sem dúvidas, o traficante encontraria outra pessoa para plantar. É assim também com a venda da droga ao consumidor- o traficante é preso ou morto, imediatamente alguém o substitui. Se vive sem pai e mãe, no entanto não se vive sem dinheiro. Com a legalização recreativa da maconha, tenho certeza, o tráfico diminuiria mais de oitenta por cento e, por conseguinte a retração radical dos bárbaros homicídios. Quando o viciado em maconha vai comprá-la quase sempre o traficante repassa outras drogas mais viciantes e de efeitos degradantes.  A repressão do estado ao consumo de maconha está empurrando boa parte dos nossos jovens ao precipício. Considero genocídio, execuções de devedores e de rivais bem como roubos em geral arroladas ao tráfico uma pandemia no Brasil. As milícias formadas ou comandadas por policiais ou ex-policiais foram fortalecidas economicamente pelo tráfico e tomaram conta de cidades que não sejam tão pequenas em que todos se conhecem ou tão grandes onde há dificuldade no controle. Essas milícias assassinam e roubam impunemente e sem importunação; são infiltradas nas igrejas e nos poderes judiciário, executivo e legislativo. Nessas cidades dominadas, afora os cidadãos poderosos, se um morador tiver dinheiro ou joias guardadas em casa, fatalmente será assaltado pelos bem informados milicianos. As milícias se acham donos da cidade. E de fato são! A democracia brasileira já não existe em muitas cidades, pois o poder efetivo é das milícias. Os outros poderes são cúmplices ou omissos por covardia. Constrangedor, deprimente e ridículo: um comandante de um Batalhão da PM, de uma dessas cidades dominadas por milícias, postou um vídeo defendendo e justificando uma chacina onde foram mortos cinco jovens por subordinados em que era obvio uma queima de arquivo.
Ofereci colírio para usarem antes de fumar o baseado: qualquer contratempo pode-se descartar cigarro, porém a terrível marca dos olhos vermelhos ninguém se livra. Tanto faz usar colírio antes ou depois de fumar: o efeito é o mesmo
Forneci a maconha e a seda a Urias. Ele deve conservar o admirável talento de enrolar cigarros: preparava a seda e botava dependurada na boca, esfarelava a pedra na mão esquerda e em movimentos rápidos enrolava o baseado e o colava com saliva. Mesmo sem pilar o baseado ficava em formato perfeito, boa carburação, nunca subia jacaré e nem abria.
Digo:
- faça o baseado com a toda maconha. É para três e eu sou cabeção.
 Peguei uma enxada que escondo em uma moita de coco-babão e comecei a capinar braquiária. Essa área tem grande produção de flores porque ainda sobrevivem algumas espécies de gramíneas nativas que dificultam a total colonização do terreno pelo braquiária.  Existem dezenas de fitofisionomias clímax no bioma Cerrado e quero formar mais uma. O capim braquiária é o carrasco do cerrado. O fogo é benéfico ao Cerrado em área sem infestação do braquiária, com a maldita invasora o incêndio é potencializado e se repetido raleia o local de espécies e espécimes. A prioridade das autoridades em evitar incêndios no Cerrado é um erro obvio. Nunca se impedirá um incêndio em área de cerrado por longo tempo. Quanto mais tempo durar uma área sem incêndio mais destruidor será quando acontecer uma ocorrência. O fogo e o cerrado convivem em regime de mutualismo. As bases à existência de vegetação rica em espécies endêmicas do cerrado são duas, sobretudo: a ocorrência de incêndios em intervalos normais e a alta acidez do solo. O fogo molda e conserva as fitofisionomias do Bioma Cerrado em estágio clímax. As matas ciliares da região do Cerrado são formadas em solos eutróficos; por isso, nessas matas, inexistem espécies endêmicas características do Cerrado. Nas formações clímax florestais do bioma os incêndios são raros e de pouco alcance.  O cerradão é uma fitofisionomia em que as espécies endêmicas do bioma estão em decadência, e, que as espécies comuns á Mata Atlântica e à Amazônia estão a invadir a área. Tudo indica que naturalmente, em escala de tempo geológico, a vegetação endêmica do Bioma Cerrado está em extinção. Grandes distúrbios tal fogo demais, fogo de menos, desmatamento e formação de voçorocas fazem cerrado stricto sensu perder a condição clímax e nunca mais retornar ao status original. Uma voçoroca, em estágio de estabilização, aberta ao meio de um cerrado stricto sensu é logo colonizada por espécies não endêmica do bioma.
Urias:
- O baseado está pronto.
Eu:
- vamos fumar na sombra daquela cagaiteira. E, por favor, quem estiver fumando não fale: o conversador atrapalha o bom andamento da roda.

cagaiteira
Terminado o baseado pedi-lhes que me acompanhassem até um pé de erva-cidreira-do-campo.
Eu:
-Vamos fotografar a beleza deste espécime

erva-cidreira-do-campo
erva-cidreira-do-campo


folha seca da erva-cidreira-do-campo
folha seca da erva-cidreira-do-campo

Pego um molho de flores, mastigo uma parte e com resto esfrego nas mãos e no rosto. Peço para o casal fazer o mesmo, no intuito de diminuir o odor da maconha.
Procuro folhas secas da erva-cidreira-do-campo no chão; de tão bonitas parecem joias. Encontro duas; uma pequena e outra maior e entrego a Fernanda. Ela fica encantada.
Comemos duas espécies nativas de frutas da época: murici-rasteiro e araçá-do-campo. O casal aprovou os sabores, especialmente o do araçá.
Convido-os ao comércio da CLN 413 para tomar água de coco e sorvete. Já é 10:00h e o calor aumenta.
Chegamos ao portão do portão de entrada do Parque Olhos D’água onde tem um ponto de água de coco e falo:
-Peçam a água enquanto pego minha carteira no carro.
Quando estou voltando vi um homem, armado com uma pistola, aos gritos:                                                     
- Saia da frente desse patife, piranha! Não lhe mato por nossos filhos. Não os quero com a mãe morta e o pai na cadeia. Mas, esse traidor vai morrer agora.
-Não faça isso David. Gritou Fernanda.
Por instinto, aproximo-me rapidamente do agressor e dou um murro na sua cabeça. O golpe foi falho e ele se volta para mim e atira. Senti que fui atingido no braço e corro em zigue-zague  para o comércio. Olho para trás e noto Urias correndo ao portão do parque e o marido de Fernanda o procurando. Até onde vejo, ele não acertou Urias. Tenho sensação de desmaio e peço a Fernanda, que se aproximou de mim que me leve ao Setor Hospitalar Norte, onde existem hospitais que atendem pelo meu convênio de saúde. Nem por isso perdi o bom humor e exclamei:
- Um romance em que Urias rouba a mulher de David nunca poderia dá certo!
Fernanda sorri. 
 O médico indica cirurgia e me encaminha ao centro cirúrgico. Fernanda me acompanha. Operam com anestesia Geral. Quando acordo da anestesia, Fernanda ainda me acompanha. Peço notícias de Urias. Fernanda diz que ele escapou ileso. E, que o pai dele, Pastor Elias, está aguardando autorização médica para visitar-me antes do meu depoimento à polícia.
O Pastor entra e Fernanda sai. Após palavras de conforto ele propõe que eu assuma a versão de um mal entendido entre eu e David, descartando o envolvimento de Urias e Fernanda. E, que eu serei bem gratificado monetariamente. Penso: estou falido e acho que vou aceitar a proposta. Se fosse eu ainda jovem e inexperiente, para justificar a minha falta de caráter, contaria a verdade sobre minha situação financeira. Porém vou negociar para conseguir o maior valor possível e falo:
-De um ato heroico que pratiquei em que provavelmente salvei a vida do seu filho, tive um ferimento grave e passar a ser criminoso é uma situação complicada. Porém todo homem tem seu preço. Qual o valor?
De pronto ele me faz uma proposta irrecusável e no mesmo momento telefona ao seu banco e autoriza a transferência à minha conta corrente.
À polícia contei que foi uma briga de trânsito. Tal como combinado com o pai de Urias.
Meus pais chegam logo depois da polícia. Apresento a Fernanda como a pessoa que me socorreu. Fernanda diz que precisa ir embora, anota meu telefone e que acompanhará meu caso.

Fiquei em casa de repouso por uma semana. No oitavo dia depois do incidente Flor do Cerrado me telefona. Pergunto de qual flor do cerrado se ela quer ser chamada e sugiro: caliandra ou lírio-do-campo? Marcamos um encontro. Também me enviou uma foto montagem: ela nua, de costas, com uma aréola das flores que fotografou no maldito dia. Respondi: muito linda!!!

caliandra

lírio-do-campo

lírio-do-campo

Como o assinalado, está ela a minha espera. Primeiramente me informa que Urias foi para os Estados Unidos, David foi para São Paulo levando os dois filhos e não teve ainda contato com nenhum dos dois. Que esteve ontem no Jardim de Alessandra com dois amigos para “falar com seu João”.
E me pergunta quem é Alessandra. Digo-lhe que dei o nome ao jardim em homenagem à minha falecida esposa. Conto-lhe que perdi Alessandra em acidente de carro em que atropelei um cavalo em uma noite chuvosa e o animal caiu no para-brisa, matando-a. Tive apenas ferimentos leves. Só não me matei na hora devido ao nosso filho. Eu não queria viajar, pois sabia dos perigos da estrada em uma noite dessas. Ela insistia porque queria ver filho que ficara com os avós maternos. Nunca me perdoei por não ter sido mais enérgico e não viajar.
Flor do Cerrado me mostra uma fotografia que bateu ontem e diz:                                  
- quero que me chame pelo nome desta flor.
Identifico a flor e lhe falo:
- É uma espécie, nativa do Cerrado, miniatura do jacarandá-mimoso, representante azul da sua aura. O jacarandá-mimoso é também chamado de caroba e a espécie da fotografia é conhecida como carobinha.
Ela:
-Estou batizada.
carobinha

Bebo uma cerveja ela um suco. Convido-a para um encontro com “seu joão”. Entramos no meu carro. Peço para ela assumir o volante e acendo o baseado. Enquanto fumamos a maconha pergunto se ela quer almoçar e qual restaurante. Ela aceita e diz para eu escolher um lugar discreto. Sugiro um motel e ela sorri.
Ao entrar no quarto começamos o agarra e amassos. Partimos ao coito. A certo momento lhe digo que estou quase ejaculando e sugiro que eu deixe a penetração na vagina e encoste o pênis no seu ânus. Quero masturbá-la. Para mim o homem ejacular antes do orgasmo da mulher é um erro fatal. É o famoso "mela buceta". Peço para penetrar a cabeça do pênis em seu ânus, ela me fala:
- eu não queria dá cu, mas como já está nas beiradas pode enfiar. Porém lembre-se: pica tem cabeça, mas não tem ombros. Sua pica é muito grande e eu não quero se arrombada. Espero que você controle a penetração porque eu com a volúpia que estou, me transformo numa tarada inconsequente.
Respondo:
- Acho melhor usar a técnica da rodilha de pano ao redor do pênis para fazer a função dos ombros. Não sou sádico. Assim vamos garantir uma foda sem machucados.
Faço uma rodilha com uma toalha, o que assegura uma penetração rasa.
Ela com a voz luxuriosa:
- meu amor! A solução é genial.
Aos quinze dias depois do tiro, o ferimento já não atrapalhava mais. Pedi férias no trabalho para ficar com Carobinha. Onde tinha turismo ecológico com hospedagem confortável ao redor de Brasília, nós frequentamos. Duraram uns vinte dias nossa lua de mel.
Ela é uma excelente cantora. Toca e compõe ao violão. Quando ela conheceu o marido era uma grande promessa da música gospel. Teve dois filhos, com diferença de menos de um ano entre os rebentos. Teve que parar a carreira, pensando que recomeçaria quando os filhos crescessem um pouco. Porém o marido não aceitava sua volta à vida artística.  E o amor que sentia por David transformou-se  em ressentimento.
Quando ela desceu do taxi para entrar no meu carro senti que algo diferente estava acontecendo.
Ela foi logo dizendo:
- Estou sentido muita falta dos meus filhos. David me telefonou afirmando que me perdoa, que vai aceitar e até me ajudar à minha carreira musical. Sentirei saudades suas. Voltarei para minha casa ainda hoje.


Fotos: Geraldo Nunes





quinta-feira, 11 de julho de 2019

FUGA DO ARMÁRIO -UM CONTO INÉDITO


FUGA DO ARMÁRIO
AUTOR: GERALDO NUNES

Entrei em um bar e pedi uma cerveja. O álcool relaxa e me encoraja.
Já pensei demais sobre meu caso. Quero a separação.  Joana saberá por mim que ela não tem culpa pelo fim do casamento. Duram meses o intervalo entre nossas relações sexuais. Bem que tentei fazer Joana ficar com raiva de mim e sem motivo aparente mostrava cara feia e ela perguntava a causa; eu dava uma resposta que copiei de um doido que perguntado pela esposa o porquê do amuo: “você sabe muito bem”. Só consigo me desapegar de pessoas quando fico com raiva delas. Vejo mulheres que até apanham do parceiro e não sentem raiva; essas estão em situação grave. A raiva é libertadora. Não notava Joana irada com a frase, mas apenas transtornada.  O cabelo, antes tão bem tratado e penteado, agora mal cuidado, sinal de uma depressão já instalada.  
Por ser apenas ativo, sempre relutei aceitar minha condição homossexual. Mais maduro vejo que minha atração sexual por homens é irresistível e para evitar sofrimento meu e dela vou assumir minha homossexualidade e lhe pedirei segredo. Coitada, recebeu uma nota falsa. Não vou sair do armário porque não tenho condições emocionais para aguentar críticas públicas.
Joana era uma moça bonita e de boas maneiras. Por eu ter nojo exagerado de odores ginecológicos a escolhi para casar pelo seu exemplar asseio. A minha repulsa a esses olores credito a um fato passado: minha avó materna foi visitar uma comadre doente e eu, aos oito anos de idade, acompanhei-a. A mulher estava com um mau cheiro que tive vontade de vomitar; minha vó em surdina pediu à filha que desse um banho urgente na comadre. Essa avó,  sempre, para implicar, chamava as namoradas de meu tio caçula de “rapariga do tabaco fedorento”.  Nunca pratiquei cunilingus. Joana certa vez me reclamou que era de mau gosto eu repetir, mesmo sendo em momento oportuno, uma frase de efeito dita por um médico recém-formado ao receber um conselho, visto as boas expectativas financeiras, para seguir a carreira de ginecologista: “o difícil é aguentar a catinga”.
Dois homens sentados na mesa ao lado iniciaram um diálogo.
Um diz:
- Meu sobrinho Augusto tem bunda parecida com a de mulher e ainda se veste para destaca-la; fala como um veado e imita trejeitos femininos naturalmente; terei com ele uma conversa séria. Zé Maranhão veio com gozação me afirmando que não gosta de qualira, porém uma bunda assim, ele não dispensaria.
 O outro fala:
-Embora seja perseguido por tarados, ter bunda de mulher não indica que seja gay; as mulheres também sentem atração por bundas e Augusto pode está se insinuando para elas. E a imitação feminina vamos relevar, ele foi criado pela mãe e avó sem uma presença masculina como modelo. Você ajudou financeiramente, mas, nem de longe fez o papel de pai; apenas visitas e rápidas conversas.  O mais importante: foi, sempre, bem cuidado e ao que parece nunca foi abusado sexualmente.  Com meus dois filhos, um tem dez anos e o outro doze, tenho grande atenção para não serem molestados. Para mim não existe homens insuspeitos. Nesse ponto, os tempos atuais estão preocupantes. Para despertar o interesse por mulheres, ando com eles elogiando a formosura de garotas: “sonho com uma nora dessas, teria netos lindos”. Já tenho resultados positivos: o mais novo ouviu comentários da mãe sobre a beleza prodigiosa da pele de coreanas que trabalham em um shopping onde frequentamos. Um dia, depois de uma caminhada nesse shopping, ele me exclama admirado: “pai! As coreanas não têm rugas não! Arrependi-me por não ter pedido para eu dar um cheiro na bochecha daquela que lhe vendeu os óculos”.
O tio do gay sorriu e retornou ao assunto de viadagem:
- Acredito no ditado popular: “até os que não parecem, às vezes são”.  Vou admoesta-lo para a vida de homossexual na cultura brasileira: sofrerá violência e infames perseguições e se tiver tendência a doenças mentais vai desenvolvê-las; emprego fica difícil e talvez a única saída para ganhar dinheiro seja a prostituição, por conseguinte seguir a bandidagem. Recordei-me de um vizinho que no processo de divórcio a mulher queria ficar com a casa e ele, certa vez, muito bêbado, gritava que não cederia porque tinha até dado o cu para construir a moradia. Prostitui-se com gerente do hotel onde trabalhou.
Mudaram de assunto, porém o meu interesse por Augusto instalou-se imediatamente.
A dupla chamou o garçom pedindo a conta. Eu também paguei e os segui. Entraram em uma loja de utilidades domésticas há pouco tempo inaugurada e assumiram o balcão de vendas. Achei melhor voltar à loja próximo ao fechamento.
Entrei na loja, me apresentei como dono de imobiliária e que olharia o estoque. Pedi ajuda do tio de Augusto de nome Pedro. Conversa flui. Consegui o local onde ele mora e ainda me disse que estava sem o automóvel e que iria de ônibus para casa da mãe dele. Não perdi tempo: ofereci-lhe carona dizendo que iria para aquelas bandas.
Quando chegamos Augusto ia saindo da casa. Falou com um tio e me disse “um tudo bem”? Fiquei deveras tocado por sua beleza. O tio informa que Augusto está a procura de emprego. A paixão se instalou imediatamente. Tive uma ereção involuntária.  Amanhã volto para tentar uma conversa com Augusto.
Resolvi que não vou me separar imediatamente. O dinheiro que estou guardando para o fim do casamento irei investir na conquista de Augusto.
Em companhia de Augusto serei também passivo. Farei felação. Quero soltar a franga! Nosso romance será como o de Antínoo  com o imperador Adriano. No início do casamento, minha mulher, durante as cópulas, repetia a frase “sou toda tua”!  Eu fingia entusiasmo. Tempos depois ela me disse que copiou a citação de Virgília, amante de Brás Cubas. Para Augusto direi a paráfrase “sou todo teu”! Em êxtase, pedirei para ele repetir.
Porém, serei moderado com felação, receio em ficar com a deformidade conhecida popularmente de “boca de chupar rola”.
Cheguei a minha casa e aproveitando a libido alta com o pensamento em Augusto fiz sexo com Joana. Depois da ejaculação, mesmo tendo pena dela, sinto asco.
Recordo-me do meu primeiro amante homossexual. Éramos  adolescentes. Ele, um frágil veadinho efeminado loucamente apaixonado por mim. Eu penetrava-o com força tão brutal que ele chorava de dor e após minha ejaculação em um misto de revolta e vergonha, devido à situação, dava-lhe uns tabefes. Anos depois comecei a fantasiar sessões de sexo em que lhe tratava com carinho e palavras doces. Tinha ereções fenomenais e me masturbava num alto nível de luxúria nunca alcançado por mim. Procurei-o, e soube que ele tinha morrido com AIDS. O sonho dele era fundar uma escola para bichas inspirada nas gueixas.
Olho meu filho de dois anos dormindo. Gosto dele, mas, se meu caso com Augusto progredir, serei pragmático, abandono-o. A minha ligação com ele será apenas a pensão alimentícia. Tenho certeza que o convívio assíduo com ele será futuramente de desentendimentos. Vejo exemplos de mães que criam os filhos sozinhas e praticamente se anulam como mulheres, e, no entanto, são consideradas megeras pelos rebentos. Esses filhos têm pelos pais calhordas e totalmente ausentes, que os largaram covardemente, injustificado amor e respeito. Minha mãe conta uma história com muita graça: Um vizinho, dono de mercearia, abandonou a família fugindo com outra mulher. Deixou a esposa com quatro filhos, o mais novo com três anos, e muitas dívidas. O patife roubou até os cofrinhos de moedas dos filhos. Certo dia, quinze anos depois, o caçula saiu gritando na rua com uma alegria incontida: “viram pai! Viram pai! Zé vai busca-lo”. Tinham-no encontrado falido e doente e iam trazê-lo para casa.
Passei duas horas esperando às escondidas que Augusto saísse da casa. Dei-lhe um cartão e pedi que ele levasse seu currículo hoje à tarde que eu poderia atendê-lo.
Recebi Augusto com um aperto de mão. Senti uma forte ereção e sentei-me rápido para ele não perceber. Tenho que controlar meus impulsos. Sigo o exemplo dos predadores: se no primeiro ataque a presa escapa, é provável que a caçada esteja perdida. Tenho que ter tranquilidade para uma emboscada perfeita. Não quero me comportar como um stalker. Já experimentei o stalking em outro assédio sexual, que trouxe como resultado, além do fiasco, situações vexaminosas.
Ele começa trabalhar amanhã. Telefono ao Zezé, um homossexual efeminado, já utilizado por mim em casos semelhantes. Por isso o apelidei de “doutrinador”.
No segundo dia de trabalho de Augusto, convidei-o para almoçar.
Tal o combinado, o “doutrinador”, durante o almoço, pede licença e diz se pode falar comigo. Concordo.  Senta-se e me pergunta em tom indignado a causa de eu ter negado o imóvel que ele queria alugar. Explico-lhe que o dono do imóvel exige fiador, o que não foi apresentado na proposta. Ele enfia a mão no bolso, retira um pacote de dinheiro em notas graúdas, joga na mesa e diz:
- fale com esse corno que o importante é ter o dinheiro e que posso pagar até um ano adiantado por essa cafua.
Olho ao meu celular e digo que aconteceu uma urgência em minha casa, que Augusto termine de comer e volte depois ao escritório, que eu entro em contato depois.
À noite, encontro-me com o “doutrinador”. Ele conta que tentou de tudo:
- Convidei-o a um motel dizendo que ele morreria de prazer; disse que se eu tivesse uma bunda como a dele seria rico; por fim lhe ofereci dinheiro para um programa. Quando vi que ele estava com raiva, pedi-lhe desculpas e caí fora. Fique esperto, se com minha simpatia e expertise foi tudo inútil, acho que você não vai conseguir nada. Desconfio que ele não tenha vocação homossexual, tem apenas um jeitinho de fresco.
Vou reler novamente As Ligações Perigosas e também rever o filme. Chordelos de Laclos é uma fonte de inspiração adequada para essas ocasiões.
Passam-se dias e não há avanço na conquista. Ele foge do meu olhar tarado. Procuro me esfregar nele; ele evita qualquer contato físico. Não percebo correspondência nas minhas investidas. Masturbo-me, pensando nele, até três vezes durante o expediente de trabalho. Sinto que ainda não é hora para uma cantada direta; na certa levaria um fora. Porém não suporto esperar por muito tempo. Tenho medo de uma ação intempestiva da minha parte, pondo tudo a perder.
Chamo Augusto à minha sala ao final de expediente. Pede desculpas por está apenas de um pequeno calção de futebol e camiseta regata, pois meu chamado não era esperado e ele ia para sua casa a pé. A sala tem tratamento acústico e não escapa barulho. A luxúria me invadiu e eu não pude  reprimi-la. Disse que estava louco por ele e comecei lhe agarrar. Ele tentou se desenvencilhar e quando se sentiu impotente iniciou a gritar por socorro. Desci seu calção e cueca, imobilizando-o tentei penetrá-lo, porém ejaculei antes. Soltei-o. Ele subiu o calção, pegou a mochila desceu a escada chorando. Uma pessoa perguntou a causa do choro e ele respondeu:
- O filho da puta me esporrou todo! Vou à delegacia, terão que prender esse tarado!
Pressenti o perigo. Tenho que fugir do flagrante. Ao descer um pequeno grupo tinha se formado e ouvi ofensas, porém não interviram para evitar a fuga.
Corri ao carro e falei baixinho o ditado:
-“Quem espera tempo ruim é lajedo”!